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domingo, dezembro 21, 2003

037 Leituras atrasadas 

O elogio Toda a gente se preocupa com a crítica destrutiva. A crítica nunca é destrutiva; o elogio sim. O elogio é mutilador de uma forma que a crítica nunca consegue ser. Nunca vi um aluno destruído por causa das críticas: pode ficar triste, frustrado, pode até chorar, mas no dia seguinte não será pior aluno do que era antes. Se não for burro, pode tornar-se melhor. Em compensação, já vi vários excelentes alunos destruídos por causa do elogio: ficam paralisados, tornam-se incapazes, ou repetem-se compulsivamente até se tornarem uma caricatura de si mesmos. Alguém escreve uma coisa espontaneamente e sai bem. Não escreve a saber que saíu bem nem sabe exactamente por que saíu bem. A seguir alguém faz um grande elogio: «fulano, sim senhor, é uma grande cabeça». E depois? Nós sabemos que fomos elogiados e que gostamos de ser elogiados - mas nem sabemos por que fomos elogiados nem o que devemos fazer a seguir. Imaginamos qualquer coisa; tentamos fazer de maneira a que venham mais elogios. Carregamos nas tintas de um lado ou do outro, preocupamo-nos em aperfeiçoar uma parte e atiramos fora o que não estava perfeito. Mutilamo-nos. A graça perdeu-se e nunca mais ninguém saberá para onde foi o talento. Para quem fez o elogio não há problema: haverá sempre outro alguém a quem elogiar no dia seguinte.

Lido na praia.

Originalmente publicado no sapo.

CAP @ 12/21/2003 02:15:00 da manhã

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