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(Re)nascido


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quarta-feira, fevereiro 18, 2004

211 Natureza morta III 

Como prometido, aqui deixo a minha tradução juvenil de La Rossa.

La Rossa

Ausente de sono, comida e visão,
aqui estou de novo, acampado no teu soalho,
suplicando por refúgio e saciedade,
encorajamento, santidade e algo mais.
As ruas pareciam pejadas de gente,
mascarei-me com o meu aspecto mais corajoso -
eu sei que sabes que apenas finjo,
vejo-o nos teus olhos.
Na austera luz da liberdade sei
que não posso negar que desperdicei tempo,
fragmentei-o em indolentes ostentações
da minha liberdade e fidelidade,
quando palavras mais simples teriam sido mais proveitosas...
... mas não é o bastante afinal,
quando procuro a esperança.
Apesar do macaco no realejo gritar
quando os tubos começam a cuspir
ainda assim ele continuará as danças rotineiras
apenas enquanto achar que servem,
apenas enquanto souber que é dançar,
sorrir - ou desistir.

Como o macaco, eu danço uma estranha melodia
quando todos estes anos ansiei deitar-me contigo
mas atolei-me na teia da conversa,
bazofiando filosofia e sofística -
no físico sempre baqueei,
como o homem na cadeira, que acredita
ser impossível andar.
Eu tenho vivido escondido atrás das palavras,
temendo a existência de uma chama mais profunda,
debilmente ciente da passagem
das oportunidades que perdi.

Mas a tua proximidade e o teu odor,
La Rossa, da cabeça aos pés...
Eu não sei o que te estou a dizer,
mas acho que deves saber:
em breve a barragem romper-se-á,
logo a água correrá.
Apesar do macaco no realejo gemer
enquanto o homem toca
ele espera, no máximo,
um fim para os seus dias dançantes...
ainda assim continua macaqueando no seu poleiro
os solavancos habituais.
Apesar de poder significar um fim de toda a amizade
há algo que te quero dizer.

Pensa de mim o que quiseres:
sei que julgas sentir a minha dor -
não importa que seja só à superfície.
Se tivéssemos feito amor agora teria isso mudado tudo o que passou?
Claro que sim, nem pensar
que tudo pudesse voltar a ser como antes...
mais uma fronteira franqueada,
mais um mistério explicado.
Agora preciso de algo mais do que palavras,
apesar das opções serem óbvias
e me afastarem de qualquer acção momentânea.
Se fizermos amor agora, isso mudará tudo
o que ainda está para ser...
nunca poderemos concordar da mesma maneira outra vez.
Mais um mundo perdido, mais um paraíso ganho.

La Rossa, tu conheces-me,
lês-me como se fosse transparente;
apesar de eu saber
que não há modo nenhum de eu passar -
apesar de isso significar que acabarás a minha história
pelo menos terei trocado toda a conversa inteligente,
os gracejos, o fumo e as ironias, toda a conversa de meia-noite, toda a amizade,
todas as palavras e todas as viagens
pelo calor do teu corpo,
pelo mais vívido toque dos teus lábios.

Todas as pontes consumidas atrás de mim,
toda a segurança fora de alcance:
o macaco toma consciência das suas correntes, cegamente,
apenas para se sentir liberto.
Toma-me, toma-me agora e abraça-me profundamente
no teu corpo oceânico,
varre-me como um destroço que deu à costa,
e deixa-me aí para todo o sempre!
Afoga-me, afoga-me agora e abraça-me para o fundo
antes da tua fome nua
me queimar no altar da noite -
dá-me a vida!

Peter Hammill - Van der Graaf Generator - 1976 (Still Life)

Originalmente publicado no sapo.

CAP @ 2/18/2004 11:18:00 da tarde

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