sexta-feira, fevereiro 20, 2004
216 Opinião
No JN de ontem, quinta-feira:
Fumar mata Artur Costa, JUIZ CONSELHEIRO Fumar mata. Pois matará. Mas não fumar não nos livra da morte. Ora, a grande vantagem seria descobrir uma causa que nos eximisse da nossa irrevogável condição mortal. Seria descobrir o elixir que nos permitisse viver para sempre, se viver para sempre também não cansasse, ao contrário do que dizia o poeta José Gomes Ferreira, e, portanto, também não fosse, por essa via - a do eterno aborrecimento - uma doença mortal. Fumar mata. Como se viver não fosse a principal causa de morte. Como se para morrer não bastasse estar vivo, ter um sorriso bonito, uma juventude exuberante e, de repente, truz!, cair para o lado, como Fehér. Ele morre-se de tudo, afinal. Até de não se sabe de quê. Até de muita coisa de que se sabe e se não diz. Mas dizer que fumar mata é o mesmo que dizer que comer mata, que fazer amor mata, que andar na estrada mata. Em suma: que viver mata e, portanto, que o melhor seria evitar viver. Como absoluto, o slogan não é só detestável; é uma falsidade. Se se puser numa embalagem de raticida: "Cuidado! a ingestão deste produto mata" estar-se-á provavelmente a ser exacto. Mas o mesmo não se passa com o slogan do tabaco. Não é exacto que fumar mate, pura e simplesmente. Depende. É relativo. Não me oponho às campanhas contra o tabaco, nem às proibições de fumar em sítios onde fumar possa colidir com a saúde de terceiros, mas sou radicalmente contra os radicalismos e os absolutismos, que distorcem a realidade das coisas e manipulam as pessoas, ainda que para fins louváveis. Não é com campanhas terroristas que se deve lutar por objectivos dignos ou nobres. E dificultar o acesso ao tabaco, pelo preço, é tornar o vício classista e fazer aumentar a criminalidade.
Originalmente publicado no sapo.CAP @ 2/20/2004 12:52:00 da manhã
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