domingo, março 21, 2004
310 Dia Mundial da Poesia III
Mercado editorial da Poesia dá mostras de maior vitalidade Dia Mundial Sérgio Almeida No país de Herberto, Sophia e Eugénio, o que vale a poesia hoje, em termos editoriais? A questão está longe de gerar consensos. Mas, apesar do tradicional pessimismo lusitano, há dados que indicam uma vitalidade insuspeita aos olhos da maioria e, talvez mais surpreendente ainda, colocam Portugal em posição de privilégio face a muitos dos seus parceiros europeus.
Editor da Quasi, Valter Hugo Mãe aponta como exemplo o facto de "as tiragens dos livros de poesia em Espanha, França ou Inglaterra, países maiores e mais populosos, serem iguais às portuguesas".
Com uma tiragem média de mil exemplares, as 300 edições de poesia que são publicadas anualmente - número que não abrange o universo das edições de autor, impossível de ser contabilizado - encontram a sua principal dificuldade numa circulação restrita, que, na esmagadora maioria dos casos, passa despercebida ao público generalista. Mas João Maria Lobo Antunes, editor da Cotovia, desdramatiza a questão ao considerar que "um poeta acabará sempre por ser revelado e reconhecido".
Os principais penalizados pela reduzida visibilidade são os jovens autores, cujos livros raras vezes ultrapassam vendas de "300 ou 400 exemplares", como salienta Casimiro de Brito, presidente do Pen Clube Português. No entanto, o poeta acredita que "a poesia nunca esteve tão bem coberta em termos editoriais como hoje".
Embora pontuais, os sucessos comerciais também vão acontecendo. José da Cruz Santos, responsável pela "Colecção Pequeno Formato", da Asa, recorda que "a antologia de Eugénio de Andrade, editada pela sua própria fundação, esgotou a primeira edição de cinco mil exemplares em menos de um mês".
Os exemplos não se ficam por aqui: obras como o "Poemário 2003" ou "Rosa do mundo: 2001 poemas para o futuro", ambas publicadas pela Assírio & Alvim, superaram largamente os 10 mil exemplares.
Autores contemporâneos como Herberto Helder, Al Berto e Cesariny ou os clássicos Pessoa, Cesário ou Pessanha são também sinónimo de vendas apreciáveis. Quanto aos estrangeiros, os consagrados também estão na liderança. Lançada há pouco meses, a antologia de Rilke editada pela Asa "chegou com grande facilidade à quinta edição", refere Cruz Santos.
Além da Assírio, a Relógio D'Água e a Quasi são algumas das editoras que se dedicam quase em exclusivo à poesia. Porém, como observa Casimiro de Brito, "publicar poesia acaba por ser uma mais-valia pelo prestígio que traz", razão pela qual um número crescente de editoras - da Asa à Dom Quixote, passando pela Presença ou Afrontamento - integra no seu catálogo colecções de poesia.
"Apesar de todas as contingências, é menos arriscado para as editoras apostarem num jovem poeta do que num ficcionista. O retorno é superior", observa Casimiro de Brito, que, para sustentar a evidência, adianta que "nenhuma editora de poesia faliu nos últimos dez anos".
Indiferente ao actual ciclo económico negativo, a oferta editorial no segmento da poesia tem até crescido de forma notória nos últimos anos, como se comprova pela criação de editoras como a Gótica, Ausência, Labirinto ou Cavalo de Ferro. Em franca evolução encontra-se ainda o mercado das revistas de poesia: da "Inimigo rumor" à "Relâmpago" e "Apeadeiro", o crónico défice de publicações literárias parece cada vez mais ter os dias contados. O que vem dar razão à tese defendida por Casimiro de Brito, segundo a qual "o público de poesia pode nem ser muito numeroso, mas é certamente fiel".
"Vigarices" encobertas
Se, em termos comerciais, a poesia é incapaz de competir com os romances, no que concerne aos candidatos a autores a situação é oposta. Anualmente milhares de manuscritos são enviados para as editoras, na esperança de publicação. Na esmagadora maioria dos casos, são devolvidos à procedência.
O responsável da Cotovia explica a avalancha de originais pela ideia instalada "para muitas pessoas de que a poesia corresponde à poesia popular, ao simples fazer versos". Mais crítico, Valter Hugo Mãe adverte para o facto de muitos candidatos a poetas denotarem gritante falta de leituras, "como se a poesia depois de Fernando Pessoa não tivesse evoluído".
Na esperança de verem os seus poemas publicados, há autores que, segundo o presidente do PEN Clube, são vítima da "vigarice de algumas pseudo-editoras, que se aproveitam da sua boa-fé". A estratégia passa por obrigar o poeta "a comprar de antemão um número elevado de exemplares", normalmente 300, naquilo que constitui uma edição de autor encapotada.
Originalmente publicado no sapo.CAP @ 3/21/2004 06:58:00 da tarde
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