segunda-feira, abril 19, 2004
394 T. S. Eliot - traduzido
A Terra sem Vida 1922
I. O Enterramento dos Mortos
Abril é o mais cruel dos meses, gerando
Lilases na terra morta, misturando
A memória e o desejo, atiçando
Raízes inertes com a chuva da primavera.
O inverno manteve-nos quentes, cobrindo
A terra com a neve do esquecimento, alimentando
Um pouco de vida com tubérculos secos.
(...)
Nas montanhas, aí sentimo-nos livres.
Eu leio quase toda a noite e vou para o sul no inverno.
Quais são as raízes que estão presas, que ramos crescem
Neste amontoado de pedras? Filho do homem,
Tu não sabes dizer nem supor, pois apenas conheces
Um monte de imagens quebradas, onde o sol bate,
E a árvore morta não oferece abrigo, nem o grilo trégua,
Nem a pedra seca o som da água. (...)
Madame Sosostris, vidente famosa,
Constipou-se bastante, bastante, e no entanto
É tida pela mais sábia mulher da Europa,
Com um perverso baralho de cartas. Aqui, disse ela,
Está a sua carta, o Marinheiro Fenício afogado,
(Aquelas são pérolas que eram os seus olhos. Veja!)
Aqui está Belladonna, A Senhora das Rochas,
A senhora dos maus momentos.
Aqui está o homem dos três bordões, e aqui a Roda,
E aqui o mercador zarolho, e esta carta,
Que é branca, é algo que ele leva às costas
E que me é interdito ver. Não encontro
O Enforcado. Acautele-se com a morte na água.
Vejo multidões caminhando em círculo.
Obrigada. Se vir a Senhora Equitone,
Diga-lhe que eu própria levo o horóscopo:
Tem de se ter tanto cuidado hoje em dia.
Cidade irreal,
Sob o nevoeiro castanho de uma madrugada de inverno,
Uma multidão fluía sobre a Ponte de Londres, tantos,
Eu não pensava que a morte tivesse destruído tantos.
Suspiros, raros e curtos, eram exalados,
E cada homem tinha os olhos fixos diante dos pés.
Fluíam pela colina acima e desciam King William Street,
Até onde Saint Mary Woolnoth dá as horas
Com um som mortiço na última badalada das nove.
Aí vi alguém que conhecia e fi-lo parar, gritando: «Stetson!
«Tu, que estiveste comigo na frota em Mile!
«Aquele cadáver que plantaste o ano passado no teu jardim
«Já começou a despontar? Dará flor este ano?
«Ou a súbita geada perturbou o seu canteiro?
«Oh mantém o Cão afastado, que é amigo dos homens,
«Ou ele com as unhas desenterra-o outra vez!
«Tu! hypocrite lecteur! - mon semblable, - mon frère!»
T. S. Eliot - A Terra sem Vida - tradução de Maria Amélia Neto
Originalmente publicado no sapo.CAP @ 4/19/2004 12:11:00 da manhã
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