quinta-feira, junho 24, 2004
519 Uma criança a comer será um espectáculo para adultos?
Qualquer que seja o prato que lhe é apresentado, (...) a criança adopta sistematicamente à mesa um comportamento penoso, desaconselhado aos pais sensíveis.
Suja-se toda. Pouco concentrada no que está a fazer, a criança tem dificuldade em realizar o trajecto entre o prato e a boca sem espalhar à sua volta o conteúdo da colher. Por vezes, esta última chega mesmo vazia ao destino, o que provoca grande hilaridade na criança. Tudo volta então ao princípio. É perfeitamente esgotante. Brinca com a comida. Fortaleza de puré com o molho no fosso, batalha de ervilhas, pingue-pongue com as costeletas de vitela, peruca de choucroutte, teme-se o pior. É de entrar em pânico. Vai à casa de banho. Infalivelmente, a partir do momento em que a refeição está pronta. É chato. Fala pelos cotovelos. E faz gestos enquanto fala, esquecendo-se de que tem o garfo na mão e que da extremidade deste saltam bocados de espaguete. É de pôr nódoas por todo o lado. Brinca aos hamsters. Acumulando nas bochechas pedaços de carne mal mastigados, a fim de deixar a passagem principal livre para as batatas fritas. Quando as bochechas estão a deitar por fora, põe ar de vítima e cospe a massa pegajosa para dentro do prato. É monstruoso. Levanta-se constantemente. Todos os pretextos são bons. Enquanto isso, a aletria arrefece e a tensão aumenta. É mau para os nervos. Come a comida fria. Sempre. O conjunto das actividades atrás citadas não lhe permite acabar de comer antes de a comida arrefecer, nem mesmo, por vezes, começar. Ora a criança prefere comer a comida quente. Donde a intervenção do micro-ondas. É imparável. Cobiça o prato do vizinho. Mesmo que o seu tenha mais comida, mesmo que o outro esteja a comer espinafres. A criança possui um espírito de contradição ao mais alto nível. É fatigante. Tal espectáculo, adivinhamo-lo, pode ter consequências dramáticas no equilíbrio nervoso dos pais. É pois totalmente desaconselhado ver uma criança a comer. Se tem forçosamente de alimentar uma, olhe para outro lado e tape os ouvidos durante a refeição.
Pierre Antilogus & Jean-Louis Festjens, GUIA DE SOBREVIVÊNCIA PARA USO DOS PAIS - Manual Para Pais Desesperados (Ou Quase), 1997
Originalmente publicado no sapo.CAP @ 6/24/2004 01:12:00 da tarde
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