segunda-feira, fevereiro 06, 2006
De quem é isto? 2
O sol ia já em alto quando o grito de Allah hu Acbar! soou no centro dos esquadrões do Islame. Era a voz sonora e retumbante de Tárique. Repetido por milhares de bocas, este grito restrugiu e ecoou, como o estourar de trovoada distante, pelos pendores das serras e murmurou e perdeu‑se pelos desfiladeiros e vales. A cavalaria árabe, enristando as lanças, arremessou‑se pela planície e desapareceu num turbilhão de pó. ‑ Cristo e avante! ‑ bradaram os godos: e os esquadrões de Roderico precipitaram‑se ao encontro dos muçulmanos. São como dois bulcões enovelados, que, em vez de correrem pela atmosfera nas asas da procela, rolam na terra, que parece tremer e vergar debaixo do peso daquela tempestade de homens. O ruído abafado e bem distinto do mover dos dois exércitos vai‑se gradualmente confundindo num som único, ao passo que o chão intermédio se embebe debaixo dos pés dos cavalos. Essa distância entre as duas muralhas de ferro estreita‑se, estreita‑se! É apenas uma faixa tortuosa lançada entre as duas nuvens de pó. Desapareceu! Como o estourar do rolo de mar encapelado, tombando de súbito sobre os alcantis de extensas ribas, as lanças cruzadas ferem quase a um tempo nos escudos, nos arneses, nos capacetes. Um longo gemido, assonância horrenda de mil gemidos, sobreleva ao som cavo que tiram as armaduras batendo na terra. Baralham‑se as extensas fileiras: cruzam‑nas espantados os ginetes sem donos, nitrindo de terror e de cólera, com as crinas eriçadas e respirando um alento fumegante. Não se distingue naquele oceano agitado mais que o fuzilar trêmulo das espadas, o relampaguear rápido dos franquisques, o cintilar passageiro dos elmos de bronze; não se ouve, senão o tinir do ferro no ferro e um concerto diabólico de blasfêmias, de pragas, de injúrias em romano e em árabe, inteligíveis para aqueles a quem são dirigidas, não pelos sons articulados, mas pelos gestos de ódio e desesperação dos que as proferem. De vez em quando, um brado retumba por cima do estrupido: são os capitães que buscam ordenar as batalhas. Debalde! As fileiras têm rareado: o combate converteu‑se num duelo imenso ou, antes, em milhares de duelos. Cada cavaleiro árabe travou‑se com um cavaleiro godo, e os dois contendores esquecem‑se de tudo quanto os rodeia: são dois inimigos, cujo ódio nasceu e encaneceu num momento, e num momento esse rancor é intenso quanto o fora, se por largos dias se acumulara sem poder resfolegar.
CAP @ 2/06/2006 10:05:00 da tarde
Mas se bem li, o texto 1 é de um cronista arábe e o texto 2, de um cronista cristão.
E são tão parecidos. ;)
Isto faz-me lembrar, meio arrevesadamente é certo :),
aquela ideia q 1 jornal inglês teve, de enviar para editoras excertos de obras de autores nobelizados dizendo q eram jovens autores . Resultado: a maior parte foi rejeitada pelas editoras...
Maria, são tão parecidos que distam poucas páginas um do outro. ;)
Zu, assim não vale! Estavas a jogar "em casa". :)
Eufigénio, é uma delícia, é. Melhor do q
ue o Malouf. ;) (subentende-se o prévio)
Vague, muita gente adorava o CACO (de Campo de Ourique, claro!) ;)
Editoras? Pfff! Eles rejeitam tudo... :)
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